segunda-feira, agosto 09, 2004

Ando totalmente sem id�ias do que postar. Vou deixar um texto da Martha Medeiros, que � sempre uma boa pedida. Enquanto a inspira�ão não vem. (Alo, minha inspira�ão, estou precisando de você!)

Garoto de Recados


Você conhece o tipo. � aquele que nunca diz diretamente o que sente por você. Os olhos dele transmitem desejo, os bra�os a seguram com firmeza, mas verbo, que � bom, não rola. Ser� que ele nunca vai se abrir, nunca vai falar? Menina, ele deixa um monte de pistas, você que não se d� conta.

Tem gente que, por não ter nascido com o dom da oratória e muito menos com voca�ão pra poeta, pede palavras emprestadas para dizer o que sente. Emprestadas de onde? Das músicas que gosta. Dos livros que d� de presente. Dos filmes que vive comentando. Est� tudo ali, você que não presta aten�ão.

O que ele sente est� na p�gina 27 do livro do Borges que ele fez questão que você lesse. Aquele trecho de uma carta do Caio Fernando Abreu, que est� sublinhado ? caneta, não narra justamente o que vocês viveram no final de semana passado? E adivinhe por que o cara fez questão de levar você para ver aquele filme francês que ele j� viu sozinho duas vezes. Adivinhe. Ele est� inteiro naquela cena do casal dentro do metrô. � tudo o que ele gostaria de falar pra você, mas diz assim, atrav�s de terceiros.

O e-mail dele vem cheio de cita�ôes, ele vive cantarolando sempre a mesma música, at� a camiseta que ele veste tem uma frase em inglês que você tem pregui�a de traduzir. Traduza. Ele est� falando com você.

Ele não diz nada de autoria própria, teme ficar solene, apavora-se diante das exigências verbais que lhe cobram. Prefere, disparado, as met�foras. � plagiador confesso. Preste aten�ão na letra, no refrão, na música que ele colocou pra tocar, ele est� mandando um recado. Os cineastas, os poetas, os malucos, todos os homens apaixonados do planeta falam por ele, e você não escuta.

Ele quer que você leia os olhos, as mãos, os l�bios. Ele não vai optar pelo chavão, pela trivialidade daquele "eu te amo" que você aguarda com impaciência. O idioma dele � outro. Ele silencia para que falem por ele. Aten�ão para aquele momento em que ele aumentou o som, interesse-se pelo trecho de Proust que ele sempre relê em voz alta, tente captar os versos que ele sabe de cor mas que não são de autoria dele - mas ao mesmo tempo são. Antene-se nos recados, em todas as palavras em que você trope�a e que foram largadas por ele bem no seu caminho, bem por onde você passa. H� mil maneiras de se fazer uma declara�ão.

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