quarta-feira, agosto 09, 2023

Martha Medeiros

As frágeis
Ah, como deve ser boa a vida das mulheres frágeis; elas sempre têm alguém que carregue os embrulhos, preencha o Imposto de Renda, troque o pneu do carro, e por aí vai. As fortes fazem tudo sozinhas, e são sempre chamadas nas horas do aperto: elas aguentam qualquer tranco, e são tão fortes que se metem até mesmo onde não são chamadas, para ajudar a resolver os problemas dos outros.
Elas acreditam no personagem, veja só. É dura a vida das fortes, que não são poupadas de nada. Se alguém está com uma doença grave, é a elas que vão contar; se a namorada do sobrinho ficou grávida, são as primeiras a saber, e quando alguém da família é preso com uma trouxinha de maconha, são imediatamente chamadas para as providências de praxe... fora os problemas financeiros, é claro.
Enquanto isso, os pais e mães desses jovens adoráveis estão tomando uma vodca na beira da piscina sem saber de nada... eles não aguentariam um choque desses e precisam ser poupados, porque são frágeis. Existe sempre alguém para cuidar dos frágeis, seja um parente, um amigo, até um vizinho, que bate na porta preocupado com o silêncio e para saber se ela está precisando de alguma coisa.
Uma mulher frágil é mais frágil que um recém-nascido, e como os homens adoram o papel de protetores para se sentirem fortes e poderosos, é a união perfeita da fome com a vontade de comer. Quando elas ficam doentes, um verdadeiro exército é mobilizado; um leva revistas, o outro um embrulhinho com peras, maçãs e uvas, e se ela não tem empregada não falta quem vá para a cozinha fazer uma canjinha.
Preste atenção que vai perceber que essas mulheres frágeis são indestrutíveis. As fortes, na hora de uma crise de coluna, se arrastam até a geladeira para pegar um copo de água, e se alimentam o fim de semana inteiro com uma barra de chocolate, pois ninguém telefona para saber se precisam de alguma coisa.
E elas, verdade seja dita, preferem morrer de inanição a pedir socorro, para não cair o tipo. Há uma pesquisa a ser feita: uma mulher frágil nasce frágil ou escolhe essa profissão para se dar bem na vida? Por que elas se dão bem, e sempre encontram um homem talvez ainda mais frágil do que elas para cuidá-las, acarinhá-las e cuidar para que nada as atinja, nunca? Afinal ela é tão frágil, coitadinha. Enquanto isso as fortes se acabam de trabalhar, e são elas que saem dos supermercados com pacotes de compras sem que ninguém se proponha a dar uma ajuda, mesmo que modesta.
Somos todos estimulados a ser fortes, mas boa vida mesmo levam as frágeis, daí a dúvida: não seria melhor que as mães, os pais e os colégios ensinassem as crianças a ser frágeis, pois sempre haverá alguém para cuidar delas pela vida toda?
E aliás, qual a vantagem de ser forte, além de saber que um dia alguém se referiu a ela dizendo "aquela é uma mulher forte"? Um grande elogio, é verdade. Mas e daí? Toda mulher forte tem desejos secretos que não conta nem a seu travesseiro: que alguém, e não é preciso que seja um homem faça um gesto por ela, de vez em quando. Nada de muito importante; apenas um cuidado, do tipo dizer que a está achando pálida, perguntar se tem se alimentado direito, pegar pelo braço e levar para tomar uma vitamina bem forte.
Sabe qual é o sonho dourado de uma mulher forte? Ter uma gripe com 38º de febre e poder ficar na cama. Mas para ela até ter uma gripe é difícil, pois uma mulher forte não adoece; e se isso acontecer, o mais difícil vai ser receber ajuda, pois uma mulher forte não deixa que ninguém faça nada por ela, mesmo precisando desesperadamente, para não passar por frágil. E é capaz de preferir se deixar morrer de tristeza, solidão e sofrimento a pedir socorro seja a quem for.
Como são frágeis, as fortes.
Danuza Leão in Danuza & sua visão do mundo SEM JUIZO - Nova Fronteira RJ 2012

domingo, julho 09, 2023

Cecília Meireles

PANORAMA ALÉM

Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia.
Não sinto onde é que estou, nem se estou. Não sei de nada.
Nem de ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.
-Existência parada. Existência acabada.

Nem se pode saber do que outrora existia.
A cegueira no olhar. Toda a noite calada
no ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria.
A alma, um deserto branco: -o luar triste na geada...

Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo.
Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo!
Ninguém.... O ermo atrás do ermo: - é a paisagem daqui.

Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto...
Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto...
Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?


sexta-feira, julho 07, 2023

Volta Meg: Filmes imperdíveis

Elvis - 2022 2h40m 

O coronel Tom Parker foi o enigmático e controverso empresário de Elvis Presley, um dos maiores nomes da história da música. Ao longo de mais de 20 anos, eles tiveram uma relação complexa que ajudou a levar o artista ao estrelato.

Um foi o rei dos excessos. O outro se tornou conhecido pelo apreço aos exageros. Um casamento entre ambos, portanto, era apenas questão de tempo. O resultado, a cinebiografia Elvis, se revela um petardo direcionado aos sentidos do espectador, que termina a exaustiva jornada de acompanhá-la do início ao fim tomado mais pelo atordoamento oriundo de uma reiterativa e assumidamente visual viagem lisérgica do que pela exaltação da vida e da obra de um artista único em seu campo de atuação, mas que ainda assim se confirma, apesar do extenuante escrutínio ao qual lhe é direcionado, mais um mistério do que uma revelação. O Elvis Presley levado às telas por Baz Luhrmann é produto de uma obsessão estilística do realizador e não fruto de um olhar atento sobre a trajetória e as motivações que fizeram do homenageado um dos maiores ícones culturais do século XX. É fato ser digno da pompa e circunstância aqui almejada, tão certo quanto a ineficácia dessa abordagem em dar conta de tudo a que se propõe. 

A partir de uma montagem mais frenética e enervante do que a vista em Bohemian Rhapsody (2018), mas ainda assim mais comportado e atento a um desenrolar cronológico dos acontecimentos do que a narrativa empreendida em Rocketman (2019) – apenas para citar duas produções recentes que partiram de intenções similares às aqui identificadas – Elvis coloca em evidência uma inevitável dicotomia, por vezes quase esquizofrênica, ao posicionar no centro da ação não um, mas dois protagonistas: Elvis Presley, o rei do rock’n’roll, e seu agente, um empresário que se apresentava como coronel Tom Parker. Um é o nome que todos reconhecem, outro é o estranho que a vida inteira atuou nas sombras. Mas que não haja confusão: havia aqui uma relação de co-dependência. Porém, os intérpretes escolhidos para tais personagens são o desconhecido Austin Butler e o vencedor de dois Oscars – e estrela de diversos campeões de bilheteria – Tom Hanks. Se este dispensa apresentações, por mais que se mostre em cena quase irreconhecível, sob uma forte maquiagem, além de ter adotado trejeitos e entonações próprios ao tipo que constrói, o rapaz possui uma longa carreira de pequenas (e, muitas vezes, quase irrelevantes) participações em séries para a televisão, só mais recentemente tendo aparecido, ainda que discretamente, em títulos de maior destaque, como Os Mortos Não Morrem (2019) e Era uma vez em... Hollywood (2019). Cada um a seu modo representa os extremos a partir dos quais o diretor irá exercer seu discurso.
(...) 

Crítica completa aqui:
https://www.papodecinema.com.br/filmes/elvis/

terça-feira, julho 04, 2023

Filmes imperdíveis

A Cor Púrpura - 1985 2h34m Direção de Steven Spielberg

Celie é uma menina negra no começo do século XX, que sofre com um pai violento que a assedia. Levada para as mãos de outro homem quase tão ruim quanto, ela passa os anos observando e aceitando calada os abusos a que é submetida, enquanto espera um dia poder reencontrar a irmã querida de quem foi separada.


Apresentado nos cinemas norte-americanos pela primeira vez há mais de 30 anos, A Cor Púrpura, visto hoje, parece não ter envelhecido muito mais que 30 dias. A versão fílmica de Steven Spielberg para a aclamada obra de Alice Walker pode ser um dos maiores perdedores na história do Oscar, com 11 indicações e nenhum prêmio conquistado, mas trata-se de um delicado e cativante filme, vencedor em tantos outros aspectos.

Originalmente concebido como um blockbuster, o que justifica Spielberg na cadeira de direção, A Cor Púrpura teve uma produção cercada de controvérsias desde o início das filmagens, em aspectos cinematográficos, literários, ideológicos e raciais. A escolha do cineasta, em particular – um homem branco de classe média – frustrou em antecipação tantos futuros espectadores, que questionavam o destino das páginas de Walker nas mãos de um realizador até então apenas reconhecido por seus filmes com extraterrestres ou protagonizados por certo arqueólogo aventureiro.

Enquanto o livro retratava as extremas dificuldades de uma mulher crescendo pobre, feia e negra no Sul dos Estados Unidos, o filme desvia levemente da autenticidade e do poder feminista do material de origem para se dedicar à triunfante busca de sua protagonista, Celie Johnson (Whoopi Goldberg), por felicidade e respeito próprio. Spielberg e o roteirista Menno Meyjes se dedicam principalmente a contrapor com delicadeza as sombrias vivências de Celie durante 40 anos de abusos praticados por seu pai e por tantos outros ao seu redor.

Extremamente belo em níveis de produção, direção de arte e fotografia, o que mais salta aos olhos em A Cor Púrpura, no entanto, é seu elenco. Liderado pela então novata Whoopi Goldberg, que como Miss Celie rouba a maioria das sequências do longa-metragem para si, o filme ainda conta com performances inesquecíveis de Margaret Avery no complexo papel de Shug Avery e Oprah Winfrey como Sofia, todas as três reconhecidas com indicações ao Oscar por suas atuações. O destaque maior fica mesmo por conta de Goldberg, que com a difícil missão de conquistar a simpatia de espectadores para uma mulher que é proibida de falar, sonhar e interagir com outras pessoas, entrega uma composição contida, porém repleta de nuances profundas e marcantes.

Spielberg tinha uma difícil tarefa na condução de A Cor Púrpura e muitas expectativas para suprir. Ainda que desvie dos conteúdos mais complexos e escuros que a trama lhe permite, o diretor compensa sua narrativa com momentos de ternura e repletos de emoção, sem exagerar no melodrama. Tente não se comover com a sequência em que Shug entoa numa voz rasgada (créditos para Táta Vega) e embalada por lindos acordes a canção Miss Celie’s Blues. Pode não ser o maior trabalho do diretor ou aquele pelo qual é mais lembrado, mas trata-se de uma pequena e agridoce obra, que parece singular numa filmografia tão desequilibrada.

Fonte:
https://www.papodecinema.com.br/artistas/steven-spielberg/biografia/

quinta-feira, junho 29, 2023

A Barata

"Jamais esmaguei uma barata com chinelo. Pego um spray de inseticida e jogo nela. Ela morre afogada..." Li isso em algumas páginas do Facebook. Parece que pouca gente gosta de esmagar uma barata, o que não é uma coisa muito agradável, para o dono do chinelo e para a "blattaria ou cascuda ou coleoptera ou barata mesmo". Vamos falar um pouco desse inseto que, dizem, herdarão a Terra! Dizem que sobrevive a uma bomba atômica; que vive sete dias sem cabeça (1) (literalmente). Por que as pessoas tem tanto medo, algumas tem pavor? 

Veja: a barata não morde; não vem cantar no seu ouvido quando você está dormindo; não chupa seu sangue. A barata só existe e anda a procura de comida para sua sobrevivência. Quando você vê uma barata no seu caminho ela também o vê e corre, cada um no sentido contrário a sua presença (ela não corre nem ao seu lado!). 

Algumas voam, mas borboleta também voa e você acha lindo. Teve um tempo que as crianças pegavam as borboletas, cravavam (uiii) um alfinete nas suas costas e punham num quadro. Por que não fazer o mesmo com a barata, já que borboletas estão ficando raras, pelo menos nas grandes cidades. Pode fazer um quadro com uma barata de cada cor. Sim, tem coloridas. Em geral são pardas, marrom ou negras, mas existe nas zonas tropicais as marrom avermelhadas, as verdes e as amarelas.

Você tem medo de barata?

(1) Uma curiosidade é que podem viver uma semana sem beber água, até um mês sem comer e também semanas sem a cabeça. (Wkpedia)




quarta-feira, junho 28, 2023

Volta Meg: CINEMA - Filmes imperdíveis

Volta Meg: CINEMA - Filmes imperdíveis:

OS BANSHEES DE INISHERIN 2022 1h 54m

Pádraic e Colm são melhores amigos de longa data e vivem numa ilha remota na costa oeste da Irlanda. Num dia que parecia ser como qualquer outro, Colm decide colocar um ponto final da amizade. E as severas consequências vêm.

Crítica
Pensemos nas pessoas como se elas fossem castelos. Geralmente não conseguimos enxergar as fundações até boa parte da estrutura externa ser comprometida. Pádraic Súilleabháin (Colin Farrell) provavelmente nunca ponderou a respeito do que o mantinha relativamente feliz, em meio à vivência entediante na fictícia ilha irlandesa de Inisherin. Será que alguma vez esse sujeito considerou sobre a real importância da amizade de Colm (Brendan Gleeson) para ele suportar a rotina nesse espaço estagnado? Além disso, o quão Pádraic torce em segredo para que as novidades do mundo, incluindo as guerras, não alterem seu cotidiano semelhante a um rio de correntezas previsíveis? Em Os Banshees de Inisherin uma crise repentina sugere essas reflexões que, por sua vez, descambam em conflitos. Colm diz que não deseja se relacionar com Pádraic. Este, por sua vez, experimenta estágios que começam na perplexidade, passam pela obsessão e chegam ao ódio decorrente da frustração. Aparentemente, o cineasta Martin McDonagh (que também assina o roteiro) fará algo no estilo Bartleby, personagem do Bartleby: O Escrivão, livro de Herman Melville, um burocrata que se recusa a fazer certas tarefas e com isso deixa um rastro enorme de desconforto (até por não justificar a decisão). No entanto, McDonagh recua diante da possibilidade de manter a dúvida, logo colocando na boca dos personagens porquês e senões.

Martin McDonagh desenha uma atmosfera lúgubre para fazer de Os Banshees de Inisherin uma balada triste sobre as relações chacoalhadas pelo medo da morte (ou da mudança). Os personagens transitam por um espaço rural repleto de animais, sem benesses da modernidade. As roupas são tão rústicas quanto as casas e a harmonia resulta de uma resignação coletiva. Tudo funciona diariamente do mesmo jeito. A menor alteração de rota causa alvoroço. É como se essa sociedade intuísse que sua sobrevivência depende da manutenção da inércia. O dono do boteco fica perplexo com a chegada de Pádraic sem Colm. Logo depois, outro vizinho demonstra o estranhamento (utilizando exatamente as mesmas palavras para externar seu espanto). Ao longe, a Guerra Civil da Irlanda anuncia um mundo diferente, a modernidade em guerra, a realidade em que os conflitos são abrangentes. Porém, guardadas as devidas proporções, seriam eles tão mais violentos do que um pai agredindo um filho? O filme não se abre à compreensão profunda do ambiente, tratando-o como pano de fundo dos eventos gerados pelo rompimento de uma amizade. É uma pena que as engrenagens tradicionais desse vilarejo não ganhem o devido destaque (e estudo) como responsáveis pela angústia insinuada pelos ventos dos novos e sinistros tempos. Ao horror do novo, o realizador prefere observar a angústia do desprevenido.
(...)

Fonte e crítica de Marcelo Müller completa aqui
https://www.papodecinema.com.br/filmes/os-banshees-de-inisherin/


sexta-feira, junho 16, 2023

CINEMA - Filmes imperdíveis

Independence Day 1996 2h25m - Dirigido por Roland Emmerich 

Alienígenas estão em processo de invasão para destruir a Terra. Eles têm melhores armas, tecnologias bem mais avançadas, mas serão páreo para os corajosos pilotos e estrategistas humanos escolhidos para os combater?

Se você se incomoda com aqueles filmes em que os Estados Unidos e seus militares salvam a Terra, dê meia volta. Se não suporta clichês, escolha outra opção. Se furos de roteiro são o seu fraco, nem sequer leia o resto desta crítica. Porque, apesar de ter tudo isso no seu pacote, Independence Day é um exemplar de blockbuster que funciona no seu objetivo mais primordial: divertir.

Quando uma nave gigantesca se aproxima da Terra – aparentemente sem causar nenhum distúrbio na gravidade do nosso planeta – o mundo inteiro entra em polvorosa e começamos a acompanhar várias histórias que culminarão em uma só, reflexo do discurso do personagem de Bill Pullman – que sozinho poderia protagonizar alguma comédia intitulada como Um Presidente Muito Louco – que diz que todos estamos unidos no objetivo comum de sobreviver. Ok. David (Jeff Goldblum) é o cara esperto e paranoico que descobre o sinal de ataque dos alienígenas, que espalharam naves menores sobre as maiores cidades do planeta. Tentando avisar o presidente norte-americano, ele acaba se juntando à comitiva que mais tarde irá integrar o piloto Steve (Will Smith), e, juntos, vão descobrir um modo de derrotar os invasores e... Ah, você sabe.
Não pergunte como, mas apesar de o governo dos Estados Unidos se comunicar com outras nações através de código Morse, a televisão continua transmitindo tranquilamente o noticiário com informações marotas para o espectador – vulgo, nós – e isso mesmo depois dos ataques. Não adianta o espectador ficar se questionando a respeito de como David conseguiu, em menos de seis horas, buscar seu pai, sair do centro de Nova York mais rápido do que toda a multidão e, com toda esta tranqueira, ainda chegar em Washington, a cerca de 330 quilômetros de distância; E por que se preocupar com o fato de os alienígenas, vindos além do sistema solar, contarem o tempo nas mesmas medidas que nós? Afinal, quem se importa? Esqueçam isso, afinal, estamos de volta a 1996, uma época em que os personagens usam celulares do tamanho de um abacate, enquanto que os aliens tem touchscreen. Não é muito maneiro?

Fonte e crítica completa aqui:
https://www.papodecinema.com.br/filmes/independence-day/