sexta-feira, julho 18, 2008



Homem da Caverna

Enquanto aguardava ser chamado para minha sessão de fisioterapia (ainda estou fazendo), peguei uma revista para ler. Vocês sabem, revista de sala de espera nunca é nova. Essa era de Abril. Revista Morar, da Folha de São Paulo. Essa revista traz idéias de reformas, construções, meio ambiente e tudo o que se relaciona a morar. Detive-me na última página onde uma crônica me chamou a atenção. Homem da Caverna. Vou transcrever aqui esse texto para vocês sentirem porque me interessei. Pena morar em um apartamento onde cada um já tem o seu espaço (menos eu, é claro!), mas ainda vou dar um jeito, afinal minha coleção de corujas, meus dois trens elétricos e minhas naves de Star War e Star Trek não merecem ficar encaixotadas num lugar qualquer!

A autora do texto, Lúcia Carvalho, é dona do blog Frankamente, que vale a pena ser visitado.

Homem da caverna
por Lúcia Carvalho

Uma amiga voltou dos Estados Unidos e me contou: o mercado imobiliário americano lançou uma supernovidade. Trata-se de "man cave", ou a caverna do homem, espaço exclusivo para os homens dentro de casa.

- Hã? Os homens americanos estão voltando para as cavernas? -, perguntei a minha amiga, confusa.

- Lúcia, preste atenção, algumas casas modernas agora têm um espaço, que geralmente fica no porão, onde os homens fazem o que querem e colocam tudo de que gostam: coleção de tacos de golfe, de figurinhas de beisebol ou tampinhas de garrafa, TV de 60 mil polegadas, guitarra, aparelhos de ginástica, aquela poltrona cafona mas superconfortável. Um lugar onde só ele entra. Uma ultra, plus, megacaverna moderna.

- Nossa! E isso vende?

- Minha irmã trocou de casa no ano passado. Depois de visitar várias, ela e meu cunhado escolheram a que tinha a melhor "man cave" -, explicou.

Fui correndo contar a meu marido, que é arquiteto como eu.

- Já ouviu falar disso? "Man cave"?

- Nunca, mas adorei -, ele respondeu com os olhos brilhando -, e quero ter uma "caverna" dessas para mim. Como não pensei nisso antes?

Ri e fiquei pensando de onde vem a necessidade de o homem se recolher em um cantinho, como se o restante da casa não lhe pertencesse. Meu marido, incentivado pela idéia, ficou horas argumentando que precisa desse espaço.

- Qual lugar aqui é só meu? Tenho apenas a frente da churrasqueira e olhe lá -, ele disse, indignado com a descoberta. A bancada da pia do nosso banheiro é toda entulhada com seus cremes, a sala é dos nossos filhos adolescentes, o quintal é uma quadra poliesportiva. Até a empregada tem um quarto e um banheiro só dela. Estou mais mal-alojado que o cachorro.

- A gente não tem cachorro! - lembrei. Aliás, você nem tem coleção, por que precisaria de uma "caverna"?

- Como não? E minhas ferramentas? E meu micro que todo mundo usa como se fosse lan house? E se quiser montar um avião de brinquedo, ou escrever um livro?

Como moramos em uma casa, ele teve uma idéia: iria fazer a "caverna" dentro do telhado, como se fosse um sótão. Passou a fazer planos mirabolantes e a sonhar com tudo o que colocaria lá em cima. O mercado é esperto, concluí, porque pesca direitinho as necessidades das pessoas.

Mas, pensando bem, nos novos espaços não existe mesmo um lugar para o "chefe da família". A idéia de uma "caverna" agrega muita fantasia: um local só dele, o homem, o provedor. Um local cheio de segredos, exclusivo. Antigamente, algumas casas tinham escritórios, mas esses espaços perderam terreno para "home theaters" e "familys rooms". E com essa coisa de decorador para tudo -hoje se decora até cozinha e banheiro-, acabamos definindo os espaços como mandam as regras e abolimos a possibilidade de o dono da casa ter suas coisas colocadas de seu modo em um canto.

Pensei bem e concordei. Homens precisam mesmo de cavernas. Mas, nos edifícios residenciais cheios de suítes, onde elas se encaixariam? Em uma das vagas de garagem no subsolo? Na adega? No quarto de empregada? Nossa, se a moda pega, os arquitetos vão pular miudinho.

Suspirei fundo. Percebi que existe uma lógica masculina nesse entendimento que não vale a pena questionar. A arquitetura está aí para resolver problemas e atender às necessidades. Tudo bem, homens de hoje precisam de "cavernas". Quem sou eu para mexer com a masculinidade deles?

Revista Morar
(Folha de São Paulo)
29/04/2008

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