Menescal e Bôscoli nem desconfiavam de que haviam sido feitos um para o outro quando se conheceram, em 1956, numa das rodas de violão de outro veterano, o compositor Breno Ferreira, na Gávea. Breno era o autor de "Andorinha preta", uma toada do remotíssimo ano de 1925 e que também seria gravada por Nat "King" Cole.
(...)
Aquela noite, na casa de Breno, depois de ouvir andorinhas pretas suficientes para vários verões, Menescal passou por uma porta e saiu numa varanda onde os integrantes da roda eram bem mais jovens e o repertório também. Um dos rapazes estava cantando coisas como "Duas Contas", "Nick Bar", "Uma Loura" - enfim, os dick-farneys. Menescal ficou sabendo que o rapaz era um reporter da Última Hora, chamado Bôscoli. Devia ser ótimo jornalista, para cantar mal daquele jeito. Os dois conversaram e descobriram que, além de uma paixão em comum pelo mar, também pensavam igual sobre o estado das coisas da música popular. Achavam pavoroso.
Ambos cultivavam a maior antipatia por aquele tipo de letra penumbrosa que era o forte da época, como a de um samba-canção chamado "Bar da noite", que dizia "Garçom, apague esta luz/que eu quero ficar sozinho". Em outra música, um bolero chamado "Suicídio", o cantor simplesmente dava um tiro na gravação. Não tinham paciência nem para Antonio Maria, admiradíssimo pelos quarentões por ter escrito "Ninguém me ama/ninguém me quer/Ninguém me chama/De meu amor" e "Se eu morresse amanhã de manhã/Minha falta ninguém sentiria". Na flor do tesão, fazendo esporte e vendendo saúde, os dois moleques de praia achavam impossível identificar-se com o clima pesado daqueles sambas-canção, cheios de mulheres perversas, que traíam os homens e os levavam à morte.
Fonte: Chega de Saudade - Ruy Castro - Companhia das Letras
Nara leão - O Barquinho de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli
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